Além de um pulmão asmático e um nariz que não gosta de ar, meus pezinhos também vieram com defeito de fábrica. Não sou médica, então não sei o termo correto, mas meus pezinhos de princesa eram uma semi prancha de surf de tão retos e meus joelhos eram patrocinados pela Xuxa já que formavam um belíssimo X.
Leitor, eu comecei a usar as botas ortopédicas quando tinha uns três anos, por aí, e convenhamos, não são lá os sapatos mais bonitos do mundo. Não sei agora, mas na minha época, o bicho era feio. Feio mesmo. E Mãe Bióloga sabia disso.
Temendo um trauma de infância, Mãe Bióloga encarnava a empreendedora e preparava uma cesta cheia de lembrancinhas e a feiosa, porém necessária, bota horrorosa ortopédica.
Ela escolhia um tema e colocava na cesta tudo que eu precisava e alguns mimos além de algumas cartelas de adesivos que eram essenciais. Ou seja, xampu, condicionador, sabonete, uma fantasia, um brinquedo e uma cartela de adesivos.
A primeira cesta foi da Cinderela, a segunda da Barbie, mas na terceira, Mãe Bióloga perdeu um pouco a criatividade e assumiu um espírito mais patriota que perdureceu em seu corpo até o final do tratamento.
Mãe Bióloga fez da Xuxa sua aliada.
Leitor, se você viveu nos no começo dos anos 2000, conhece a Xuxa, certamente lembra da Xuxinha e do Guto.

Mãe Bióloga preparava a cesta, fazia Vó Portuguesa tocar a campainha e gritava para mim toda empolgada:
— Sosô, a Xuxinha! A Xuxinha deixou a cesta!
E eu ia toda animada pegar a cesta e ver o que a Xuxinha me trouxe daquela vez.
Mas mesmo sendo um presente especial da Xuxinha, a bota continuava sendo um assassinato a moda, mas como eu disse, Mãe Bióloga não queria que eu tivesse um trauma de infância e sabia que a bota horrorosa e pesada, seria um empecilho em sua missão.
E aí que os agentes colantes entram em ação.
O famoso “Faça Você Mesmo” (DIY) se popularizou nos últimos anos, mas Mãe Bióloga o inventou. Quando a euforia da cesta passava, Mãe Bióloga pegava a cartela de adesivos, me chamava e juntas, colávamos todos os adesivos na bota. A deixando mais “bonita” e personalizada. E simples assim, eu, uma criança não muito inteligente, me achava com a bota feiona cheia de adesivos. Me sentia uma super. estrela, além de ter sido presente da Xuxinha, era personalizada!
Os adesivos caíam conforme o tempo, mas Mãe Bióloga fazia tudo que podia para mantê-los colados. Sendo minha única opção de sapato, a bota feiona estava comigo, seja no natal ano novo, escola, festa, verão, inverno qualquer lugar, qualquer dia, qualquer clima. Nem dentro de casa podia tirar.
O cão é muito bem articulado, como você pode ver.
Mas valeu a pena. Agora tenho joelhos normais e pés com uma curvatura um pouco mais saliente do que o normal, já que foram literalmente feitos em laboratório.
Com todo o meu amor,
como sempre,
S. Ganeff