FALTOU A BOLA NO PÉ QUANDO NASCI

Não tenho habilidades com esporte. Além de não entender nada, não faço a menor ideia de como segurar uma bola, muito menos chutá-la, mas durante meu intercâmbio tive que virar atacante.

Estávamos em uma reunião de todos os internacionais novos na escola. Os coordenadores estavam explicando as regras, os uniformes e tudo mais. Eu não estava prestando atenção nenhuma, quando meu amigo me cutucou e perguntou:

— O que você vai escolher?

— Que?

— Que esporte você vai escolher? — E apontou para o telão com fotos de vários esportes.

— Tem que escolher?

— Tem que fazer.

Olhei mais uma vez para o telão sabendo que não daria certo. Eu não sei fazer nada disso. 

Bom, vamos por eliminação.

Hóquei e Rúgbi, não faço a menor ideia de nada. Hóquei é no gelo, né? Descartado.

Basquete, vôlei e handebol, não consigo nem segurar uma bola, quem dirá arremessar. Descartado.

Futebol.  É o que sobrou. Além disso, sou brasileira, nasci com a bola no pé, certo? Tá no instinto, não tem como dar errado.

Coloquei meu nome na lista satisfeita com a minha decisão.

Cheguei na escola sexta-feira e vi vários ônibus escolares estacionadas e todos os alunos reunidos na quadra. 

— O que está acontecendo?

— Vai ter jogo hoje. Toda sexta-feira tem.

Meu amigo olhou para mim analisando meu uniforme e minha mochila cheia de livros.

— Você não sabia?

— Como você sabia?

Pelo autofalante, a liga feminina de futebol foi chamada. Não tinha como fugir. Entrei na van vendo todas as meninas com um rabo de cavalo sem um único fio rebelde para fora, chuteira cintilantes das mais variadas cores do arco-íris e mochilas esportivas com todos os equipamentos necessários.

Sentei no banco colocando minha mochila básica cheia de livros do lado e olhei para meus Vans pretos comprados pelo estilo.

Fomos para o outro lado da cidade para jogar contra uma escola privada para disputar o campeonato da cidade e mais tarde, jogar entre estados.

E eu nunca nem treinei. É agora só no chute mesmo.

Entramos no vestiário e as meninas começaram a se preparar. Colocaram caneleiras, apertaram as chuteiras, vestiram o meião, enquanto eu, colocava a camisa do nosso time suando frio e amarrei meu cabelo em Maria-Chiquinha em um ato rebelde contra os rabos de cavalo. 

Talvez assim eu ficasse no banco, né?

Não deu certo. Quando percebi, já estava no meio do campo sem saber o que fazer.

Leitor, eu não tenho a menor noção de futebol. Não sei nada. Não sei como começa, como funciona o escanteio e nem quando é falta. Só não pode tocar na bola com a mão, né? Mas por ter sangue brasileiro em minhas veias, o time inteiro presumiu que eu tinha as mesmas habilidades que o Pelé. 

Durante o jogo, eu corria de um lado para o outro do campo como se soubesse o que estava fazendo, mas nem sabia qual era o nosso lado. As meninas encarnaram a Marta e jogavam de verdade, chutando a bola com força e passando uma para outra com maestria. Elas dançavam na grama com seus rostos vermelhos de tanto correr, fazendo da partida algo digno da Copa da Fifa. 

No final do primeiro tempo, eu mosquei, brisei, boiei chame do que quiser, o fato é que mentalmente eu não tava mais lá. Todo mundo correu para um lado, mas eu fiquei parada no outro vendo as nuvens cinzentas se formarem no céu, pensando que se chover o jogo acabaria. Meu time, por outro lado, achou que aquilo era uma estratégia, chutaram a bola com toda a força que guardavam em seu corpo para mim.

Eu vi a bola voando. Vi em câmera lenta rodar pelos ares em uma parábola perfeita que deixaria qualquer professor de matemática orgulhoso. Mas a minha reação… na verdade, não tive reação. Continuei parada com as pernas bem fechadas calculando que horas aquela bola dura destruiria a minha cara. E por um milagre, a bola passou por entre as minhas pernas. 

Ninguém sabe como, muito menos eu, já que tinha certeza que minhas pernas estavam fechadas, mas o caso tirou o ar do time, fez a treinadora colocar a mão na testa, a juíza soltar o apito e a nossa goleira perder o foco.

Gol contra.

Eu me perguntava “como?” enquanto o time não falava comigo durante os quinze-minutos de intervalo. 

Voltamos para o jogo, mas aquela era a hora de provar o meu valor. Tinha que compensar o gol contra. Me empenhei o máximo que podia. Corri para a onde a bola ia, sabia onde era o nosso gol e tentei ao máximo entender o que era uma “falta”.

Até que a oportunidade decidiu me abraçar, ouvi seu sussurro dizer “vai, Sophie, brilha”, e me arrisquei. Cega pela oportunidade, coloquei toda a força que não usei no primeiro tempo na perna direita e chutei. Chutei a bola como se a minha vida dependesse daquilo. A bola obedeceu e subiu. Rodou como um satélite na velocidade de um foguete em direção ao gol. 

O jogo parou. 

Todas as meninas observaram o vento assombrar o meu destino desviando a bola e a dando mais velocidade. Até que eu acertei. 

Acertei. 

Não o gol, a cara da menina do time adversário. 

A bola atingiu seu nariz declarando que já o queria faz tempo. Com a porrada, a menina caiu para trás chorando de dor com a mão no rosto. Não tive tempo para pedir desculpas, o apito da juíza soou e eu recebi um cartão amarelo. Então aquilo era falta… 

— Ganeff! — gritou nossa treinadora. 

Olhei para ela sem saber o que fazer, ela apenas apontou para o banco.

Foi assim que a nossa treinadora colocou outra garota no meu lugar e eu fiquei vendo o resto do jogo na sombra. 

No final todo mundo se deu bem, nosso time venceu e eu conquistei a tarefa mais nobre de um time: entregar água as atletas cansadas.

Desde então, todas as sextas-feiras eu era a garota da água. E sejamos sinceros, leitor, muito melhor que se arriscar e receber uma bolada na cara.

Com todo o meu amor, 

como sempre, 

S. Ganeff

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