Corri esticando a minha mão para segurar a porta do elevador, mas alguém lá dentro, colocou o braço antes, fazendo o favor de me deixar entrar.
— Obriga… — disse assim que entrei, mas o rosto familiar me fez esquecer o resto das letras.
Era ele.
Ele com aquele terno cinza que tanto gostava e eu tanto odiava; usando a gravata amarela que dei de aniversário. Ele com aquele sorriso bobo no rosto que me deixava com as penas bambas. Ele que segurou a porta para mim como tantas vezes, “depois de você” sempre dizia.
Seus olhos brilharam.
— Imagina.
As portas se fecharam e ficamos mais uma vez lado a lado, depois de tanto tempo, sentindo um o cheiro familiar do outro, lembrando de tudo que tentávamos esquecer. O elevador foi subindo e minha pressão descendo e as memórias me atingiam como flechas em chamas. Seria possível o meu coração parar de bater, assim tão rápido?
— E aí? — ele disse sem tirar os olhos das portas metálicas. — Como cê tá?
— Bem. Tô bem — pigarreei. — E você?
— Bem também — nós dois respiramos fundo. — E a sua mãe? Como tá?
Abri um leve sorriso.
— Tá bem — olhei para ele com calma. — Tá viajando agora. Congresso. Sabe como ela é, sempre trabalhando.
Ele olhou para mim e sorriu.
— Sei sim. Sempre gostei dela. Você sabe disso.
— Sei.
E nos voltamos a encarar a porta cinzenta mais uma vez. De canto de olho, voltei a reparar nos detalhes que antes, conhecia como a palma da minha mão. Ele ainda usava os sapatos de couro marrom ralados na ponta, o relógio prata no pulso, a cicatriz no dedo esbranquiçada, tudo ainda estava lá. Talvez ainda continuasse o mesmo.
Olhei para a gravata estendida em seu peito, conseguia me lembrar perfeitamente do dia que comprei.
— Olha — ele pegou a gravata amarela. Devia ter sentido meu olhar nela. — Tô usando. Você disse que ficava…
— Bem com seus olhos — me voltei para o rosto que tanto conhecia, para o rosto que via todo dia, para o rosto que tanto amava. — Combina com você.
Dei um sorriso leve enquanto ele colocava a gravata de volta no lugar passando a mão em uma tentativa de alisá-la.
Ainda nenhuma aliança.
O elevador parou e as portas se abriram.
— Tchau — ele disse saindo. — Se cuida, viu? Eu lembro muito bem em como é o seu nariz nessa época do ano.
Dei uma leva risada enquanto as portas se fechavam.
O elevador ficou mais leve, mas meu coração mais pesado. Como uma pessoa que eu costumava conhecer tão bem se torna mais um estranho que troco uma palavra ou outra no elevador? O cheiro dele ainda estava no ar.
— Como sempre acontecia quando ele saía — murmurei.
Eu sempre reclamava que ele derramava o vidro inteiro de perfume me fazendo espirrar.
“Mas ele usava mesmo assim”. Parecia ver graça no meu nariz escorrendo.
Um dia nos amamos, mas agora somo apenas estranhos cheios de memórias queimando no silêncio, trocando palavras como fazíamos tantas vezes na cama, trocando sorrisos e sentindo o cheiro um do outro de vez em quando.
Com todo o meu amor,
como sempre,
S. Ganeff