Era sexta-feira, e assim que subi as escadas, meu gerente disse suado e sem folego.
— Estamos 100% lotados hoje, completamente reservados — ele abriu o caderno grande onde anotávamos todas as reservas. — Temos várias festas e comemoração de fim ano. Você vai ter que limpar as mesas o mais rápido que pode para rodar — ele pegou o mapa do restaurante e um caderno. — Anote as pessoas que chegarem aqui e você sabe como funciona o mapa. Hoje teremos que trabalhar com lista de espera. O mais importante: Não aceitamos reserva para hoje. Nenhuma.
— Tá…
— Ótimo! — ele me deu um leve tapa no braço — Você consegue.
Olhei para o livro com as reservas. A maioria estavam marcadas para às 8 e 9 horas da noite.
Limpava as mesas para rodar sabendo que o horário mais movimentando estava para começar, quando o telefone toca.
— Outback Steakhouse, como posso ajudar?
— Oi, posso ter uma mesa para tiens?
— Olha, não estamos aceitando reservas hoje, mas se você chegar aqui posso ajudá-los.
— São tiens.
— Sim, se você chegar posso sentá-los, mas não estamos fazendo reserva hoje, estamos lotados.
— Vocês não estão fazendo reservas, mas sentaria uma mesa de tiens?
Honestamente, leitor, para mim “tiens” era na verdade “teens” (adolescentes) em um sotaque bizarro australiano. Que tipo de pergunta era aquela? Ele achava que a gente não aceitava uma mesa de adolescentes?
— Bom… sim…
Nem eu sabia o que estava afirmando.
— Perfeito! Chegamos aí às 20:30.
E desligou.
Olhei para o relógio e depois para o restaurante que estava começando a lotar. Pouco de mim sabia que eu tinha feito cagada.
Quase todas as mesas reservadas já estavam ocupadas. O restaurante estava oficialmente lotado. Fui até a minha mesa pegar a lista de espera quando um grupo de pessoas chega. Alguns saem do elevador, outros da escada, mas eram muitos.
Muitas pessoas mesmo.
Vários casais de meia idade para cima.
Segurei a lista de espera com força contra o peito como se fosse me proteger.
Um homem calvo de meia idade veio até mim e diz olhando em volta.
— Falei com uma menina no telefone… reservei uma mesa para às 20:30.
Fiz o que qualquer ser humano faria naquele momento.
— Hm… certo… — abaixei a cabeça como se buscasse a reserva dele na folha em branco — desculpa, qual é o seu nome?
— Não deixei o meu nome.
— Hm… que horas o senhor ligou?
— Às 19:30.
Passei o dedo na folha em branco.
— Senhor, estamos completamente lotados, acredito que a pessoa que o atendeu avisou.
— Sim, mas disse que nos atenderia.
— Hm… claro… — Olhei em volta em busca de uma salvação. Talvez seria melhor se… — O senhor é que pediu uma mesa para teens, certo?
— Tiens.
— Teens.
— Não. Tiens — e abriu as duas mãos na frente dos meus olhos, fazendo um perfeito dez com os dedos.
— Ah… tens.
Dez. Ele queria uma mesa para dez pessoas. E o restaurante estava completamente lotado.
Ele olhou em volta.
A Bartender trocou um olhar comigo como se desejasse boa sorte.
— Cadê o seu gerente?
Uma frase simples, mas destrói o coração de qualquer um que depende de um mestre instrutor com poderes sobrenaturais de demitir, chamado gerente.
— Vou chamá-lo.
Passei pelo bar e disse a bartender em português enquanto andava:
— Foi bom trabalhar com você.
Contei para o meu gerente e juro que consegui ver pelos olhos dele todos os xingamentos.
Ele explicou para o Homem das Tiens o engano do inglês e tudo mais, mas o Homem não queria saber. Estava furioso.
Meu gerente tentava amenizar a situação, enquanto eu, dei alguns passos para trás como se fosse me desfazer do problema. Leitor, em toda a minha vida, nunca vi alguém tão furioso como o Homem das Tiens.
Conforme ele gritava, o sangue subia para a cabeça e ele ficava mais e mais vermelho, eu jurava que aquela veia no pescoço dele explodiria a qualquer segundo. Ele apontava o dedo enquanto urrava atrocidades ao meu respeito.
Acho que durante toda a minha existência, nunca falaram tão mal de mim.
Conseguia ver nitidamente a minha demissão chegar. Sabia que meu fim estava próximo.
No final, conseguimos colocá-los em uma mesa e eles ganharam uma sobremesa grátis. Se deram bem.
Meu gerente me fuzilou com os olhos pelo resto da noite e nunca mais me deixou pegar reservas.
Acredito genuinamente que meu trabalho de hostess era uma vocação divina já que, mesmo com acidentes como esse, continuei empregada e o Homem das Tiens não me fez nenhum mal.
Além de vocação divina, escudo de proteção.
Quer ler saber como consegui esse emprego? Clique aqui.
Quer saber mais sobre essa vocação divina? Clique aqui.
Com todo o meu amor,
como sempre,
S. Ganeff
Você escreve tão bem que fiquei até apreensiva! Ainda bem que deu tudo certo.
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Aí, Lara! Muito obrigada! Seus comentários fazem toda a diferença!!!!
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