PÃO QUASE ROUBADO RECHEADO DE UM QUEIJO QUASE PAGO

Poucas pessoas sabem, mas a minha tia era a diretora da unidade 333 da Cultura Inglesa. O que explica o porquê de eu nunca ter sido expulsa.

De qualquer maneira, no meu primeiro dia na Cultura eu deveria ter uns 5, 6 anos e estava muito assustada. Estudava em uma escola pequena que só ia até o primeiro ano do fundamental, nunca tinha visto como era uma escola de verdade. Muito menos tantas crianças juntas. 

Saí da sala meio atordoada com fome e morrendo de medo das pessoas a minha volta. A sala 1 dava de frente para a entrada na Cultura que, por algum motivo, enchia de gente em uma fila. 

Fui para a aglomeração e percebi que as pessoas iam até um balcão e pegavam comida. Achei incrível, e minha barriga falava mais alto.

Fiquei na fila ansiosa.

Chegou a minha vez e a Moça do Balcão me encarava com o rosto franzido.

— Quero um pão de queijo — disse inocentemente.

A mal-encarada da Moça apenas me olhou de cima a baixo.

Nem se mexeu.

— Um pão de queijo, por favor — disse mais uma vez desviando dos olhos fuzilantes e encarando o pão de queijo amarelinho que brilhava por de trás do vidro.

— O dinheiro — ela disse apenas.

Ninguém tinha me avisado que precisava de dinheiro.

Não era só pegar?

Mãe Bióloga não tinha me dado nada.

— Não tenho…

A moça ia gritar comigo. 

Eu sei que ia.

Eu ia explicar que estava com fome. 

Iria convencê-la.

Mas Tia Sorriso apareceu do meu lado.

Não me pergunte como, leitor, mas Tia Sorriso, a diretora da 333, colocou a mão macia em meu ombro e com um sorriso solidário, disse para a Moça:

— Tudo bem, eu pago.

E abriu sua carteira gentilmente.

Leitor, a Moça do Balcão, que antes estava furiosa e comeria meu fígado, virou a gentiliza em pessoa. Abriu um sorriso tão largo e pegou o pão de queijo com tanto amor que eu até olhei para a Tia Sorriso confusa.

Esse, leitor, foi o pão de queijo mais gostoso da minha vida.

Logo, na quarta-feira, voltei para a fila, dessa vez com dinheiro, e pedi para a Moça do Balcão um pão de queijo. 

Assim que ela me viu, abriu um sorriso de orelha a orelha.

Até olhei em volta para ter certeza que a Tia Sorriso não estava por lá.

Só tinha eu e as crianças remelentas.

Fiz um manejo para pegar. 

Juro que fiz. 

Mas a Moça do Balcão apenas balançou a cabeça e com os olhos brilhando disse:

— Não precisa. Você não precisa. 

E me entregou o pão de queijo com todo o carinho. Leitor, ela me deu o pão de queijo com tanto amor que eu só pude sorrir e aceitar.

Eu sorri e aceitei.

Voltei lá na segunda-feira.

O mesmo aconteceu. 

E na quarta.

E na segunda de novo.

Saí da Cultura aos 16 anos. 

Durante 10 anos usei o emprego da Tia Sorriso para comer o pão de queijo de graça.

Se a Tia Sorriso pagava depois? Não faço a menor ideia.  Nunca contei para ela. Inclusive, desculpa Tia Sorriso, mas eu usei o seu emprego para me alimentar. Durante dez, quase onze, anos. 

Só posso te dizer, leitor, que por algum motivo, o pão de queijo da Cultura tinha um gosto diferente. Como se fosse uma mistura de vitória e conquista dentro de um pão quase roubado recheado de um queijo quase pago.

Uma vez provado, não tinha alma samaritana que negasse.

Com todo meu amor,

como sempre, 

S. Ganeff

4 comentários em “PÃO QUASE ROUBADO RECHEADO DE UM QUEIJO QUASE PAGO

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