A GENTE TAMBÉM CHEGOU AQUI

Ah, Riviera de São Lourenço, o lugar onde a elite paulista e sua órbita habitam no período de férias.

Leitor, a Riviera de São Lourenco é o Mykonos paulista, mas em uma versão de prédios altos com as mais novas tecnologias e uma areia suja de champanhe e queijo suíço. A cada quinze dias, eu e Pai Engenheiro descíamos a serra e passávamos o fim de semana na adorada Riviera. 

Quando tinha uns seis anos, estava sentada na praia me deliciando com um milho quando Pai Engenheiro disse:

— Olha o barco!

E lá em alto mar, um grande barco branco navegava sutilmente pelos mares. Não dei muita atenção e voltei a comer meu milho. Mas Pai Engenheiro já tinha tido uma ideia. 

— Quero ir até lá — ele disse perdido em seus pensamentos.

Ele esperou eu terminar o meu milho e disse que iríamos voltar ao apartamento. Fiz que sim e caminhamos em silêncio. Pedi para ir para a piscina, mas ele disse que não. Pai Engenheiro tinha outro plano. Disse para eu não me trocar, apenas colocar uma camiseta dele e passar muito protetor solar, enquanto ele entrava no quartinho atrás de cozinha em desespero.

Fiz o que ele pediu. A camiseta preta tinha ficado gigante no meu corpo de criança e meu rosto estava completamente lambuzado de protetor solar. Olhava para o espelho tentando espalhar o creme branco quando Pai Engenheiro saiu da cozinha com dois coletes salva-vidas no braço esquerdo e uma caixa grande no direito.

— Vem, desce comigo.

Fomos até o porteiro. Pai Engenheiro abriu a caixa de papelão como se tivesse descoberto ouro. Eu e Seu Paulo olhávamos para ele confusos. Da caixa, uma borracha amarela canário e azul anil saiu amassada e torta. Pai Engenheiro revirou o material e quando achou o pininho deu para Seu Paulo.

— Enche para mim por favor, Seu Paulo?

Seu Paulo virou a cabeça. Pegou o material pelo pininho e olhou para Pai Engenheiro com os olhos dizendo tudo que a boca não tinha coragem de perguntar. Pegando o compressor em silêncio, Seu Paulo começou a colocar ar.

Pai Engenheiro me examinou de cima a baixo.

— Passou bastante protetor?

— Passei.

Ele olhou para a camiseta e fez que sim com a cabeça.

— Fica aqui de olho, tá? Vou subir, mas já volto.

Balancei a cabeça.

Ele já estava de saída quando voltou e disse:

— Me dá os seus chinelos.

Tirei-os do pé e os entreguei.

Pai Engenheiro subiu e eu fiquei olhando o material azul e amarelo ganhar forma. Quando Pai Engenheiro voltou, já estava quase cheio.

— Mas que beleza!

Ele sorria alegremente. Seu Paulo levou um susto quando o viu, todo de branco com o rosto pintado minuciosamente de protetor solar e cada milímetro do corpo coberto de creme branco. Pai Engenheiro é o tipo de cara que passa protetor solar na orelha e na pálpebra afirmando que queima e fica ardendo.

— Olha o que eu achei! – disse me mostrando dois remos.

Me voltei para Seu Paulo que agora colocava o pininho.

Um bote.

Um bote amarelo canário e azul anil, pequeno que não caberia duas pessoas. Olhei para Pai Engenheiro que é extremamente alto.

— Tá ótimo! Muito obrigado, Seu Paulo. Agora eu e essa menina aqui, vamos para o mar! 

Seu Paulo deu um sorriso amarelo sem querer questionar.

Pai Engenheiro pegou o bote infalivelmente inflável e o colocou sobre a cabeça. 

— Leva os remos e os coletes.

E assim caminhamos até a praia. Ele pintado inteiramente de branco fazendo com que os raios de sol batessem e voltassem, levando um bote inflável na cabeça, e eu com seis anos segurando dois remos que eram maiores do que eu, vestindo os dois coletes salva-vidas que eram claramente grandes demais, andando atrás.

Atravessamos a areia e chegamos à beira d’água. Pai Engenheiro colocou o bote na água e olhou para o horizonte. Calculava a distância até o barco. 

Ele me colocou em uma ponta do bote e entrou na outra. Mas como eu disse, não dava espaço para nós dois. Pai Engenheiro abriu suas duas pernas compridas as esticando para cima do bote, com os pés suspensos para fora.

Ele tirou o colete verde de mim e o vestiu.

— Vam’bora.

E se pôs a remar.

Pai Engenheiro remou muito. Parava de tempos em tempos para descansar, e passava as mãos na testa limpado o suor que escorria junto com protetor solar, mas logo lembrava de seu verdadeiro objetivo. 

Eu, encolhida na ponta do bote ficava pensando que horas o pezão de Pai Engenheiro acertaria o meu rosto. Mas a maré queria ver até onde chegaríamos, queria saber de perto até onde Pai Engenheiro remaria. As ondas estavam leves e a corrente estava a nosso favor, mas o sol nos castigava. Estava tão quente que o protetor solar derretido no rosto de Pai Engenheiro parecia mais uma premunição que eu seria a próxima.

— Eu disse que tinha que passar protetor. Já estaria mais vermelho que um camarão! Que um camarão! — ele dizia enquanto lutava contra o suor.

Depois de um tempão, alcançamos o imenso e magnífico barco. 

Ou melhor, iate.

Era tão grande que nos fazia questionar como estava flutuando. Na parte de trás tinha um pequeno deque, mas a varanda no terceiro andar nos deixava a certeza que o pequeno deque era a parte mais simples.

Pai Engenheiro observou o iate com calma. Seus olhos corriam de alto a baixo sem deixar nenhum detalhe de fora.

— O bicho é grande — disse em um suspiro.

Esperou mais alguns segundos e começou a gritar:

— Ei! Eeii! Eeii!

Até que um jovem apareceu no terceiro andar do iate, com óculos escuros, taça de champanhe na mão e um pratinho de queijo suíço, claramente não comprado no Pão de Açúcar, abaixou a cabeça e olhou para nós dois no bote inflável.

— Oi!

O jovem tirou os óculos como se quisesse ter certeza que seus olhos não o enganavam. 

Pai Engenheiro sorriu:

— A gente também chegou aqui! — disse em meio a uma gargalhada.

Leitor, essa foi a primeira vez, mas essa cena se repetiu incontáveis vezes.

Apesar da vergonha que eu passava, ele estava errado?

Com todo meu amor, 

como sempre,

S. Ganeff

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